Planejamento urbano/humano
O Brasil parece ser o país das emergências, pois tudo indica que a ideia de planejamento não consegue ultrapassar “o resolver de problemas”, sempre em seu limite. Nesse sentido, e a partir do que se lê diariamente nos jornais, é possível identificar essa tendência como crônica, pois não é eventual e sim uma constante, e em inúmeras instâncias. Sendo assim, eu gostaria de trazer um exemplo muito especial sobre planejamento urbano: O projeto Nova Paulista. Este consistia na projeção de uma via expressa subterrânea, com 3 km de extensão, conectando a Avenida Rebouças à Avenida 23 de Maio. A Avenida Paulista teria, abaixo do segundo piso, a passagem do metrô e, na superfície, um bulevar com áreas de convivência, praças e apenas o trânsito local. Com o projeto aprovado, o arquiteto Nadir Cury Mezerani declara que:
Os jardins suspensos ao longo da Paulista receberão um tratamento paisagístico adequado à recreação. Serão sob forma de círculos, com um núcleo destinado a crianças, com uma média de 10 atividades ou divertimentos: escorregadores, labirintos, tanques de água e tanques de areia. Em volta deste núcleo haverá bancos e vegetação. (MEZERANI, 1970).
A proposta era humanizar São Paulo e talvez este fosse o projeto mais importante entre muitos que viriam. A interrupção e o enterro da obra, a meu ver, chegou a ser trágica. Em termos de importância, localização e tamanho, esse projeto poderia, de fato, ter mudado a história da cidade, da cidadania e da mobilidade, melhorando o desenvolvimento urbano também em áreas distantes do centro. Vale lembrar o prefeito Figueiredo Ferraz (1971-1973), já que esse projeto era parte de seu importante e significativo planejamento para a cidade de São Paulo. Ferraz planejou o crescimento pensando em construir um futuro melhor, mas parece que não há espaço para esse tipo de político, pois, com a obra semipronta, ele foi destituído do cargo pelo governo militar e a obra foi enterrada. Junto a ela, parte de nossas ilusões em ter uma cidade melhor se foi.
Infelizmente, existem muitas obras paradas e, como sempre, o jogo de interesses políticos prevalece derrubando importantes possibilidades de fazer da nossa cidade um lugar mais belo e humano. Digo isso não só em termos de mobilidade, mas em termos de um espaço público mais seguro e agradável. Podemos trazer mais um exemplo: a estação de metrô Pedro II. Fechada no subterrâneo da cidade, ela chegou a ser inaugurada, em 1980, para uma linha que não se concretizou (Linha 3-Vermelha) mesmo sabendo da necessidade que nossa cidade tem de aumentar a oferta do transporte público. E, assim, temos outros exemplos, porém, o espaço aqui não permite enumerá-los.
Trata-se de entender que a falta de planejamento e o contínuo jogo de decepções, impostas ao cidadão, corrói suas esperanças. Sendo assim, as obras não finalizadas ou interrompidas se tornam símbolos reais da impossibilidade de alcançar um verdadeiro e sólido progresso. Deformaram a história, destratam ou ignoram nosso espaço e, com isso, deformam a condição humana. Tornam-se exemplos de esperanças perdidas onde a possibilidade de um futuro melhor foi roubada. O que vemos diante desse quadro crônico são cidadãos abandonados a própria sorte e, muitas vezes, sem forças para atuar em termos de cidadania e política. Apáticos, muitos já não se sentem capazes de pensar no futuro do país. O que fica visível é que, deformados em suas possibilidades de escolha e expectativas, deixam de atuar.
Promessas infindáveis, palavras vazias ao longo de muitos anos geraram, sem dúvida, um conjunto de feridas crônicas capaz de anestesiar toda e qualquer sensibilidade, até a capacidade crítica ou de escolha política. O resultado é a apatia social, em que os acontecimentos, dos mais sérios e trágicos até os mais banais, passam a ter o mesmo peso. A apatia de muitos é uma resposta para a impossibilidade de compreensão da população ao desrespeito à vida humana em tantas deformações simultâneas, por muitos anos. Infelizmente, esse processo de dessensibilização instituído é bastante difícil de reverter, gerando também uma resposta propícia ao momento político.
Há de se triplicar a atenção nesse sentido.